Wednesday, August 22, 2012

Eu Também Já Vi o Mêdo da América



Texto escrito por mim em 2004, em seguida a reeleição de George W. Bush para a presidência dos Estados Unidos, e publicado pelo O Globo em 15-Nov-2004. Escrevi esse texto como um eco à excelente crônica escrita por Arnaldo Jabor – Eu Já Vi o Medo da América Profunda (O Globo – Segundo Caderno – 9-Nov-04), que, como a maioria dos textos do Jabor, foi profundo, oportuno e literalmente impecável.

Hoje sou eu quem mora nos EUA, isso já vão mais de 17 anos, quase 15, como imigrante. Nascido e criado nas praias douradas do Rio, com água salgada nas veias, sol na cabeça e lindas morenas nos olhos. Filho de classe média baixa, em plena ditadura militar do final dos 60 e 70, cresci politizado e sensibilizado pela injustiça e problemas sociais. Por força do trabalho, comecei a viajar para o exterior em meados dos 80, com passagens pela Europa, Asia e varias cidades americanas. Em 87 me mudei para San Francisco, a trabalho para uma grande empresa Brasileira, e em 89, para Los Angeles.

Em 90, com o nascimento da minha filha e um pressentimento sombrio sobre o advento do governo Fernando Collor no Brasil, resolvi aceitar um convite para me radicar definitivamente nos Estados Unidos, viver e trabalhar na California. Nos 11 anos que se seguiram vivi então uma fantasia de menino, a de surfar os “breaks” de Malibu e San Onofre, como protagonizado nas telas da minha juventude por Anette Funicello e Frank Avalone. Conheci de perto a “beach culture” americana: do surf, do volley de praia, da “muscle beach”, do roller-blade, do skateboarding.  Era uma América de uma juventude dourada, sarada e bonita, em muito parecida com a do meu querido Rio de Janeiro. Era uma América liberal, cosmopolita, formada por inglêses, autralianos, asiáticos, árabes e latinoamericanos. Isso tudo regado a temporadas regulares do Tom, do Ivan, do Hermeto e da Gal no Hollywood Ball.

Mas como não tem felicidade que dure para sempre nem tristeza que nunca se acabe, em Dezembro de 99 a firma onde trabalhava fechou. Depois de esgotar todas as minhas alternativas, em final de 2001 vim parar, entre todos os lugares, no Texas. Bastião do protestantismo mais intolerante, incruado e racista dos Estados Unidos. Berço e raiz da Ku-Klux-Klan, do escravagismo, da pena de morte e, como não poderia ser diferente, da dinastia Bush. Aqui se encontra uma igreja em cada esquina e uma arma em cada carro. Adesivos colados nos carros com dizeres do tipo “não mexa com o Texas”, “eu apóio as nossas tropas” ou ainda “se voar, eu mato” (em alusão a um clube de caça), são lembranças constantes da truculência e boçalidades Texanas.

Assim como o Jabor, eu também tive minha parcela de constrangimento quando, por exemplo, fui confrontado por colegas de trabalho com pegruntas do tipo: “O seu presidente também é comunista como o Hugo Chaves?, “Porque o Brasil votou contra os EUA na ultima reunião do WTO?”, “Como a Petrobras pode assinar um acordo de exploração com Cuba?”, ou ainda “Como a polícia brasileira teve a audácia de prender o piloto da American Airlines?”

Vivendo aqui, conheci o lado ainda mais podre da cultura americana. O lado das organizações “missionárias” pagas por companhias de petróleo para desalojar populações indígenas na América Latina, ou ainda por multinacionais para introduzir sementes transgênicas no Brasil, “por baixo dos panos” da WTO. Ouvi, atônito, à arrogância do locutor da rádio pública NPR numa manhã, descrevendo como satélites espiões americanos fotografavam as plantações de laranja e soja, e as culturas de gado no Brasil, para fornecer informações estratégicas a fazendeiros americanos.

É uma América decadente e facista. Onde há pouco mais de dez anos ainda se arrastavam negros até a morte, amarrados com correntes a para-choques de pickups dirigidas por adolescentes brancos e protestantes. Uma América onde o presidente declara no discurso de abertura da “Convenção Nacional dos Publicadores Evangélicos” que a grande ameaça aos EUA está nos povos que acreditam em outros deuses que não o “deus” americano.  Uma América que trancafia em Guantanamo Bay e outras dezenas de campos de tortura clandestinos espalhados pelo mundo, milhares de infelizes de pele morena e religiões que não o protestantismo branco americano. Essa América “religiosa”, fascista e ultra radical, que na defesa de seus “altos valores morais”, massacra, corrompe, estupra e destrói 50 anos de evolução, de democracia e de conquistas sociais em todo o mundo.

Wednesday, August 8, 2012




Morre aos 68 anos o músico "Magro" Waghabi, do MPB4


Morreu hoje, 8 de Agosto, por volta das 6 da manhã, de câncer, o "Magro", do MPB-4. A principio, tudo não passou de mais uma nota de falecimento nos jornais, mas na verdade o "Magro", ou Antônio José, como eu o conhecia, marcou minha vida e por ele eu nutria uma admiração especial. 


Éramos vizinhos no bairro de São Francisco, em Niteróisubúrbio do Rio, e nossos pais, melhores amigos de infância. Frequentava sua casa desde menino e seu avô, o "Seu José", como era conhecido na vizinhança, foi meu grande tutor, minha grande fonte de inspiração, meu professor particular de pintura, desenho e escultura por três memoráveis anos. Com ele eu aprendi praticamente tudo que soube de arte na minha vida. Costumava chegar da escola, tirar o uniforme, pegar minha bicicleta, meu material de desenho, e ir correndo para a casa do “Seu José”, que morava nos fundos da casa do “Waghabi”, o pai do Magro, para minhas aulas particulares com ele. Lembro-me claramente de uma vez quando ele se dirigiu a meu pai e disse: “Nunca dei aula de nada a ninguém, mas esse menino é diferente, gosto muito dele e acho que ele tem um futuro enorme pela frente, quero ensinar tudo que puder a ele”.

O “Magro” era o mais velho de três filhos assim como eu também sou o mais velho dos meus irmãos. Seu pai, assim como o meu (os dois, como se diz, eram “farinha do mesmo saco”, não era a toa que eram melhores amigos), queria de todos os modos que ele se formasse em engenharia. Foi um escândalo na família quando o “Magro” abandonou a faculdade pra seguir sua paixão pela música. Logo ele que, como o mais velho, deveria dar o exemplo para o resto dos irmãos. Sempre tive uma admiração profunda por ele, não só pelo seu talento, mas, sobretudo, pelo fato de ele ter tido coragem de seguir seu coração, coisa que, na época, eu não tive. Me lembro com clareza de muitas conversas a noite, em casa, ao redor da mesa de jantar, quando meu pai comentava: “Esse menino – o Magro – está perdido, isso não é coisa de gente decente, tenho pena do pai dele...”. Tanto meu pai quanto o Waghabi, o pai do “Magro”, eram partidários da ideia de que filho homem tinha que ser doutor, ou medico ou engenheiro, que aquele negócio de “arte” era coisa de “viado” ou de vagabundo. Com toda a pressão da família, e na fase mais negra da ditadura militar (como se diz em bom Inglês: “Against all odds”), o Magro deixou a carreira pra seguir seu coração. E deu no que deu. Viveu TODA a sua vida fazendo o que amava, música. Foram quase 50 anos dedicados exclusivamente a sua paixão. Fundou o MPB-4, compôs e arranjou musicas para Vinicius de Morais, Pixinguinha, Chico Buarque e outros “monstros” da musica popular brasileira.

Mudei-me do Brasil ainda jovem e, ano passado, em uma passagem pelo Rio, depois de muitos anos longe do Brasil, tive o prazer de dar-lhe um abraço durante um show patrocinado pela Repsol no Rio de Janeiro. Foi um prazer enorme ouvir o MPB-4 tão de perto e depois de tantos anos fora. Foi um prazer ainda maior poder dar-lhe um abraço forte depois de quase toda uma vida sem vê-lo. Ele me recebeu com um carinho especial e até emocionado. Me abraçou diante do publico presente, se virou para resto dos integrantes da banda e disse: “Esse e um grande amigo de infância, que não via há muitos anos, nossos pais eram melhores amigos e ele frequentava a minha casa quando era menino.”

Morre um grande sujeito, uma pessoa admirável, um tremendo expoente da musica popular brasileira, mas, sobretudo, morre um cara que soube seguir o seu coração. O legado que ele deixa para a MPB e para a própria alma do Brasil e imensurável!

Vá com Deus, “Magro”.